domingo, 28 de abril de 2013

Considerações sobre o trabalho

Após este longo processo de atividades, deveríamos responder a pergunta: pode um deficiente visual fotografar jornalisticamente? Considerando todo o trajeto de aprendizado que os participantes percorreram, percebe-se a evolução que cada um deles atingiu. O objetivo deste trabalho não era formar fotógrafos profissionais, o simples fato de uma pessoa cega poder produzir uma boa imagem já era importante para nós.

Logo na primeira oficina já conseguimos obter resultados interessantes, a interação entre o grupo com as câmeras aconteceu de forma natural, eles exploraram ângulos e posições diferentes, por exemplo. A segunda oficina serviu como base para os demais conteúdos, pois ali começamos a treinar melhor as questões sobre enquadramento. Na terceira oficina os participantes já haviam perdido a timidez e paravam as pessoas na rua pedindo autorização para lhes fotografarem. Nesta etapa os erros de enquadramento diminuíram bruscamente, o grupo conseguiu desenvolver a percepção deles sobre iluminação e não faziam tantas fotografias superexpostas ou subexpostas. Na quarta oficina eles conseguiram entender o conteúdo sobre fotojornalismo com facilidade e produziram imagens interessantes dentro deste aspecto da fotografia. A quinta oficina serviu para confirmar o que já estava claro para nós: uma pessoa com deficiência é capaz de produzir fotografias com teor jornalístico. Com a descrição das imagens os participantes puderam perceber a própria evolução e aprovaram o modo como este trabalho de cunho experimental foi realizado.

Portanto a imagem pode – e deve – ser acessível a todos os indivíduos, tenham eles visão regular ou baixa, basta que a sociedade se engaje cada vez mais na proposta de tornar as ferramentas audiovisuais instrumentos de interação entre as pessoas com deficiência e os elementos que são comuns aos indivíduos videntes.

Algumas observações:

- Nenhuma das imagens deste trabalho passou por qualquer tipo de edição, todas estão exatamente do modo como foram produzidas pelos participantes e por mim;
-  Após a apresentação do trabalho para a banca examinadora, tenho a intenção de fazer uma exposição em São Borja com algumas imagens que os participantes produziram;
- Este projeto não ficará apenas no papel, através das leis de incentivo à cultura tenho interesse em disseminar a ideia para diversas instituições.

Agradeço sua visita ao blog Foto sem Ver, não esqueça de comentar deixando sugestões e críticas.

05 de março, 5ª oficina e bastidores.

A quinta e última oficina. Hora de praticar fotojornalismo na Praça do Passo, Cais do Porto e arredores.

Ramão está fotografando uma rampa, ao lado dele está Tania com sua bengala e Alessandra apontando para a rampa. Eles tão enquadrados de corpo inteiro e há bastante cenário em volta deles: a rua e a calçada da praça.
Participantes fotografando rampa de acesso à calçada.

Mais uma saída fotográfica que desta vez iniciou na Praça do Passo, passamos por locais como o Centro Nativista Boitatá e Ginásio Cleto Dória de Azambuja e finalizamos no Cais do Porto. Durante todo o trajeto os participantes foram relembrando todo o conteúdo que eu havia passado para eles.

- Fotos de Alessandra da Silva:
Rampa do Cais do Porto fotografada em todo seu comprimento. Ao fundo aparecem árvores, o céu, o rio e um barquinho.
A rampa do Cais do Porto.

Portão de ferro cheio de nomes escritos em tinta branca.
Porta do ginásio cheia de coisas escritas: vandalismo.

- Foto de Luiz Freitas:
Placa de ferro com o nome de uma farmácia bem no meio da calçada.
Placa no meio do caminho.

Placa de identificação com o nome da Praça Assis Brasil, mais conhecida como “Praça do Passo”. Ela é marrom e tem o desenho de uma árvore e de um banco.
O nome da praça.
- Fotos de Marcos de Oliveira:
Um homem enquadrado dos joelhos até acima da cabeça, usando boina, camiseta, bermuda e segurando uma bengala de madeira.
Um homem e sua bengala.

Imagem do prédio onde funciona a Pastoral da Criança e ao lado a Igreja Matriz Imaculada Conceição. A igreja é azul e branca.
A pastoral e a igreja.
- Fotos de Paulo Molinos:
Foto em plano geral mostrando Marcos em pé em um dos aparelhos de ginástica, no lado direito da imagem está Luiz olhando em direção a Marcos. Ao fundo várias árvores.
Academia ao ar livre.

Uma parada de ônibus fotografada lateralmente, ela fica bem no meio da calçada, ao lado estão Tania e Alessandra em pé.
Uma parada no meio do caminho.
- Fotos de Ramão Faguaga:
Imagem de balanços estragados, um deles (na lateral direita da foto) está amarrado à estrutura de ferro que sustenta os balanços. Ao fundo aparecem mais dois balanços e embaixo deles há poças d’água.
O vandalismo na pracinha.

Imagem das pernas de uma mulher segurando uma bengala em cima de uma rampa azul sinalizada com o símbolo de cadeirantes.
Rampa acessível.

- Fotos de Tania Carvalho:
Três cães andando no gramado. Ao fundo algumas árvores.
Cachorros na praça.

Foto em plano geral e na vertical mostrando a Cruz Missioneira, ao fundo algumas árvores.
A Cruz Missioneira no Cais do Porto.

Muitas vezes eu não precisava falar nada, pois um auxiliava o outro, dava dicas, falava sobre ângulos e enquadramento, sobre como a iluminação ficaria melhor. O esquema desta oficina seguiu o padrão das anteriores: eles estavam livres para fotografar questões voltadas à acessibilidade de pessoas com deficiência e também outros assuntos que lhes chamassem a atenção.

Enquadramento da mão esquerda de Ramão segurando a câmera, no visor aparece a imagem de uma escadaria.
Ramão com a câmera em ação.

A foto foi tirada de baixo para cima, pois Marcos estava no segundo andar do ginásio. Ele está apoiado na grade de segurança, segurando a câmera nas duas mãos e apontando-a em minha direção.
Marcos fotografando dentro do Ginásio Cleto Dória de Azambuja.

Uma placa com o nome do “Ginásio Cleto Dória de Azambuja” com letras em relevo. A foto enquadra apenas a placa e a mão de Ramão em cima das letras. Ele usa um relógio no pulso esquerdo.
Ramão “sentindo” a placa de identificação do Ginásio.

Reflexo de Ramão e Luiz no armário de troféus. O armário é marrom e as portas de vidro, dentro há vários troféus.
Fotografando na sala de troféus.
A oficina fluiu tão bem que quando percebemos já havia terminado, assim como a etapa prática do meu projeto de TCC também. Depois disso tive que partir para a seleção de imagens que fariam parte do produto final do trabalho: este blog. No próximo post farei um resumo de tudo o que aconteceu durante as oficinas e contarei se os objetivos do projeto foram atingidos.

Da esquerda para a direita: Marcos, Alessandra, Paulo, Luiz, Ramão e Tania. Todos em pé, eles estavam entre duas muretas amarelas cheias de arbustos. Ao fundo aparece a estátua em homenagem à Nossa Senhora dos Navegantes.
Todo o grupo reunido ao final de nossa última oficina.

Bastidores [4ª oficina]

A quarta oficina aconteceu no dia 28 de fevereiro e era voltada ao conteúdo de fotojornalismo. Expliquei o que são fotografias com valor-notícia, comentei sobre a representatividade da fotografia no jornalismo, exemplifiquei o que seriam imagens jornalísticas. Ao explicar sobre este conteúdo guiei as oficinas a partir do que Jorge Pedro Sousa (2004, p. 11) afirma quando diz que fotografias “que possuem valor jornalístico são usadas para transmitir informação útil em conjunto com o texto que lhes está associado”*.

Para que os participantes entendessem com clareza o que a fotografia representa no jornalismo, montei algumas situações hipotéticas (um acidente de carro, um desastre aéreo ou um emocionante jogo de futebol, por exemplo) e pedi para que eles imaginassem o que poderia ser fotografado para informar às pessoas sobre os acontecimentos.

O planejamento inicial era que a oficina fosse apenas teórica, contudo a partir do conteúdo exposto o grupo começou a comentar sobre as dificuldades que eles enfrentam no dia-a-dia, sobre a falta de acessibilidade que a cidade lhes impõe, e também acrescentaram exemplos do que eles poderiam fotografar do cotidiano deles que serviria como fotografia com valor-notícia. Depois de uma hora expondo o conteúdo teórico, aproveitamos para fotografar os arredores do local onde estávamos realizando a oficina: o bairro do Passo. 

Os participantes fotografaram a falta de acessibilidade nas ruas sem asfalto, a falta de rampas e de calçadas niveladas ou com calçamento correto. Também fizeram denúncias ao poder público ao fotografar locais com indícios de mosquito da dengue. E por último visitamos um mercado de bairro, tipo de local onde eles encontram mais dificuldades para ter autonomia.

Confira algumas imagens dos bastidores:

Os dois homens está em pé segurando as câmeras. Paulo usa camiseta cinza e calça clara e Ramão está de camiseta branca e calça jeans. Ao fundo há uma casa e alguns arbustos
Paulo e Marcos conversando.

À esquerda está Alessandra com a filha de Tania, ambas estão de pé e viradas em direção ao lado direito da imagem onde está Tania com a câmera apontada para elas. Elas estão embaixo da sombra de uma árvore, no meio da rua de terra.
Tania fotografando sua filha junto com Alessandra.

De costas para a foto está Marcos usando a camiseta da ADEVASB e com a câmera nas mãos, ao fundo está Luiz segurando a bengala e em cima de um buraco no meio da rua de terra.
Marcos fotografando seu colega Luiz.

Ramão está agachado de frente para o pneu, ele está apontando a câmera na direção do objeto.
Ramão fotografando o pneu.

Luiz está agachado de frente para o pneu, com a mão esquerda no objeto e com a câmera na mão direita, a bengala está no chão perto dos pés de Luiz.
Luiz fazendo a medição da distância entre o pneu e ele.

Tania está em primeiro plano, de costas e enquadrada da altura dos ombros até acima da cabeça. Ao fundo está Alessandra enquadrada dos joelhos até acima da cabeça, segurando as embalagens do condicionador e do xampu, mais atrás algumas prateleiras do mercado com produtos de higiene pessoal.
Tania fotografando Alessandra no mercado.

Imagem do visor da câmera de Luiz, no visor está aparecendo a foto que Luiz fez de sua mão esquerda segurando uma batata.
Foto da foto: Luiz fotografando a cesta de batatas.

Em pé e de costas para a foto está Luiz apontando a câmera para o caminhão de lixo, que está ao fundo, no caminhão dois homens fazem pose levantando os braços.
Luiz fotografa o caminhão de recolhimento de lixo.

Os participantes conseguiram captar os fundamentos básicos sobre fotojornalismo e a todo instante perguntavam se o que estavam fazendo condizia com o que haviam aprendido, não deixando de lado o que haviam aprendido nas oficinas anteriores.

* Ler o livro: Fotojornalismo – Introdução à história, às técnicas e à linguagem da fotografia na imprensa, escrito Jorge Pedro Sousa e publicado pela editora Letras Contemporâneas.

28 de fevereiro, 4ª oficina.

A quarta oficina aconteceu na manhã do dia 28 de fevereiro, Tania disponibilizou sua casa para que realizássemos a aula lá. Planejei que esta oficina fosse apenas teórica, aprofundando mais o assunto sobre fotojornalismo. Expus o conteúdo, falei sobre o que a fotografia representa no jornalismo e mostrei alguns exemplos de fotos jornalísticas. Eles contaram alguns relatos sobre as dificuldades que as pessoas com deficiência visual passam no dia-a-dia em São Borja, comentaram sobre a falta de acessibilidade para os cegos, surdos e cadeirantes.

Um dos comentários que o grupo mais fez foi sobre como são eles quem precisam se tornar acessíveis aos obstáculos da cidade: muitas vezes precisam andar pela rua, pois a maioria das calçadas é esburacada, algumas pessoas são mal educadas e não respeitam as pessoas com deficiência visual, as lixeiras nas grades e os telefones públicos são os grandes vilões nas calçadas já que a bengala não alcança estes obstáculos. 

Depois de a parte teórica ser apresentada ficou sobrando uma hora do nosso tempo de aula, então pegamos as câmeras e fomos fotografar os arredores da casa da Tania, no bairro do Passo. Os participantes fizeram algumas denúncias através das fotografias, tais como: o posto de saúde sem sinalização em Braille, sem rampa e calçada acessível; pneus velhos com água dentro (indícios de dengue); a dificuldade que eles têm de fazer compras, pois a maioria dos produtos (principalmente alimentos, produtos de higiene pessoal e limpeza doméstica) não possui identificação em Braille, também fotografaram as ruas e calçadas esburacadas.

- Foto de Alessandra da Silva:
Tania está em pé no centro da foto segurando sua bengala, em frente a ela está a rampa de cimento, ao fundo a entrada do mercado e no lado esquerdo de Tania está a filha dela segurando-se em um pilar.
Tania na rampa de acesso ao mercado

 - Foto de Luiz Freitas:
Uma prateleira de supermercado com sete pacotes de açúcar, apenas a mão esquerda de Luiz aparece em cima de um dos pacotes.
Luiz mostra a falta de acessibilidade em embalagens de alimentos.
 - Foto de Marcos de Oliveira:
Detalhe de um pneu com água dentro, há uma pequena pedra no meio e a sombra da mão de Marcos segurando a câmera.
Pneu com água parada.

- Foto de Paulo Molinos:
Imagem de uma calçada de concreto, contornada por grama e a rua sem asfalto. Ao fundo tem um carro e um cachorro. Marcos, Ramão, eu e Luiz estamos indo em direção à calçada de concreto.
Conhecendo o posto de saúde do Passo.
- Foto de Ramão Faguaga:
Casa onde funciona o posto de saúde, uma árvore à esquerda e dois carros em frente ao posto. Existem três placas fixadas à parede: uma com o nome do posto “E.S.F. Dr. Airton Carneiro Silva”, outra com o número de identificação: “E.S.F. 02” e outra com uma propaganda sobre saúde onde aparece uma criança e uma médica e a frase “a vida em primeiro lugar”.
Fachada do posto de saúde.
- Foto de Tania Carvalho:
A mulher está de blusa vermelha e óculos escuros segurando as embalagens do condicionar e do xampu, respectivamente, e ela está enquadrada da barriga até acima da cabeça.
Alessandra mostrando os produtos que ela mais tem dificuldade em identificar: xampu e condicionador.


Para saber mais sobre esta oficina, leia o próximo post onde contarei sobre os bastidores.

Bastidores [3ª oficina]

Um dos objetivos na terceira oficina era trabalhar mais a autonomia de cada um dos participantes. No momento em que eles interagiam com a população, eles estavam mostrando que existem pessoas com deficiência visual em São Borja e que ainda há muito a ser feito quando o assunto é acessibilidade. Tentei fotografar todo o processo de aprendizado que durou duas horas e agora compartilharei algumas fotografias daquela manhã com vocês:

Os três aparecem de costas para a foto, com suas câmeras apontadas na direção da menina que está um pouco acima da altura deles, em um brinquedo de escalar. A menina está fazendo pose e olhando na direção do grupo.
Marcos, Tania e Alessandra fotografando uma menina no brinquedo de escalar.
Em primeiro plano e à direita da imagem está Alessandra de costas, usando uma blusa roxa, agachada e com a câmera apontada na direção de um bebê que está sentada no balanço. A criança está em segundo plano e à esquerda da imagem, com um vestido rosa e branco e com a mão na boca. Também aparece um pouco do braço da mãe da criança, segurando-a.
Alessandra fotografando um bebê no balanço.
Os dois homens estão enquadrados do peito até a cabeça. Ramão está centralizado na imagem segurando a câmera e sorrindo. Paulo está à esquerda da imagem olhando na direção de Ramão.
Ramão fotografando com o auxílio de Paulo.
Os participantes estão descendo a rampa que dá acesso da pracinha para a calçada. Tania está usando sua bengala, porém também está caminhando com a ajuda de Alessandra que aparece segurando a câmera. Luiz está andando com a bengala, ao fundo estão Marcos, Ramão e Paulo andando com suas câmeras nas mãos.
O grupo saindo da pracinha em direção à igreja.
Luiz aparece à direita da imagem, com a câmera na altura dos olhos e direcionando-se para a esquerda, onde fica a prefeitura. Ele está enquadrado a partir da altura dos ombros até acima da cabeça. Usa uma camiseta azul, boné branco e um relógio preto no pulso esquerdo.
Luiz fotografando a prefeitura de São Borja.
Na parte esquerda há uma mesa cheia de objetos de artesanato feitos em madeira, e a mesa entende-se até o fundo da imagem. De frete para a mesa, está marcos agachado apontando a câmera para algum objeto, bem de perto.
Marcos fazendo fotografia macro dos objetos da feira de artesanato.
A imagem mostra os braços de Paulo acima de sua cabeça, segurando a câmera e olhando em direção a ela. Ao fundo aparecem as copas de algumas árvores e reflexos do sol.
Paulo enquanto fotografava seus colegas.

Centralizados na imagem estão Alessandra e Luiz com as câmeras em direção a algum dos personagens que encontramos, ao lado deles aparece parte do ombro de Ramão e ao fundo há um ciclista.
Alessandra e Luiz fotografando.
Tania está centralizada na foto, usando blusa vermelha, óculos escuros e segurando a câmera. Ao fundo aparece uma mulher que estava caminhando na calçada.
Tania fotografando pessoas na calçada.
Tudo o que acontecia ao nosso redor chamava a atenção do grupo, seja pelo barulho, pelo cheiro, pelas texturas... As pessoas nos paravam na rua e perguntavam o que estávamos fazendo e ao saber do que se tratava logo diziam: “então pode tirar uma foto de mim”. Para reforçar o conteúdo sobre planos fotográficos, mais uma vez, utilizei o tato para explicar como uma imagem deveria ser enquadrada e para saber como ter uma distância correta do objeto sem tirá-lo do enquadramento. Já ao ensiná-los sobre iluminação, pude perceber que as pessoas cegas se utilizam da temperatura corporal para saber quando estão de frente para o sol ou na sombra, por exemplo, e com isso pude ensinar como eles poderiam evitar fotografias com muita ou pouca luz.